Conceitos importantes
(Barroso)
-Políticas
públicas: representam a totalidade de ações, metas e planos que os
governos (nacionais, estaduais ou municipais) traçam para alcançar o bem-estar
da sociedade e o interesse público.
Ex:
distribuição de medicamentos e tratamentos pelo SUS.
-Judicialização:
significa que algumas questões de larga repercussão política ou social
estão sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário, e não pelas instâncias
políticas tradicionais (Poder Executivo e Congresso Nacional).
Ex: o STF
foi instado a se manifestar sobre a regulamentação do direito de greve dos
servidores públicos em Mandados de Injunção como os de n. 670, 708 e 712, diante
da mora do Legislador.
-Ativismo:
não é sinônimo de judicialização, é conceito-primo, conforme o Min.
Luís Roberto Barroso.
Ele afirma
que, enquanto a judicialização
é um fato (uma questão com repercussão política/social chegar no
STF para ser julgada), o ativismo é uma
atitude.
É a escolha
de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu
sentido e alcance.
A postura
ativista se manifesta por meio de diferentes condutas, que incluem:
a)
a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em
seu texto e independentemente de manifestação do legislador
ordinário;
b)
a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador,
com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da
Constituição;
c)
a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, notadamente em
matéria de políticas públicas.
-Autocontenção
judicial (“self-restraint”): é o oposto do ativismo.
É a conduta
pela qual o Judiciário procura reduzir sua interferência nas ações dos outros
Poderes. Por essa linha, juízes e tribunais:
a)
evitam aplicar diretamente a Constituição a situações que não estejam no seu
âmbito de incidência expressa, aguardando o pronunciamento do legislador
ordinário;
b)
utilizam critérios rígidos e conservadores para a declaração de
inconstitucionalidade de leis e atos normativos; e
c)
abstêm-se de interferir na definição das políticas públicas.
-Função
contramajoritária do STF: significa dispensar efetiva proteção às
minorias contra eventuais excessos (ou omissões) da maioria. Ex: reconhecimento
da união estável homoafetiva.
Breve histórico
Desde o
final da II Guerra Mundial verificou-se, na maior parte dos países ocidentais,
um avanço da justiça constitucional contramajoritária.
Isso porque
foi nesse período em que o neoconstitucionalismo (filosoficamente inspirado no
pós-positivismo) despontou como nova forma de se enxergar uma
Constituição.
Três foram
as principais mudanças geradas por esse movimento:
- o
reconhecimento de força normativa à Constituição;
- a expansão
da jurisdição constitucional;
- e o
desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação
constitucional.
As
mencionadas mudanças tiveram como principal foco a efetivação e concretização
dos direitos fundamentais.
E é
justamente na tentativa de concretizar esses direitos que a postura ativista do
Judiciário tem início.
Conforme o
Min. Celso de Mello, no julgamento da ADPF 45:
“É certo que
não se inclui, ordinariamente, no âmbito das funções institucionais do Poder
Judiciário - e nas desta Suprema Corte, em especial - a atribuição de formular e
de implementar políticas públicas, pois, nesse domínio, o encargo reside,
primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo.
Tal
incumbência, no entanto, embora em bases excepcionais, poderá atribuir-se ao
Poder Judiciário, se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem
os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem, vierem a comprometer, com
tal comportamento, a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou
coletivos impregnados de estatura constitucional, ainda que derivados de
cláusulas revestidas de conteúdo programático”.
Nota-se,
assim, que desde a CF/88, o Poder Judiciário está cada dia mais se distanciando
da antiga posição de autocontenção e aproximando-se de um perfil
ativista.
Vejamos
alguns exemplos
no STF:
-
ADI 4277: diante da falta de disciplina legal e com fundamento
nos art. 3º, IV, CF; na dignidade da pessoa humana; no direito à busca da
felicidade (...) reconheceu-se a união estável
homoafetiva;
-
PET 3388: a Corte considerou válidos a portaria e o decreto
presidencial que homologaram a demarcação da reserva Raposa Serra do
Sol, porém listou 19 condições para a execução da decisão;
-
ADPF 54: foi declarada a inconstitucionalidade de interpretação
segundo a qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalo é
conduta tipificada nos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, todos do Código
Penal;
- MI
670, 708 e 712: abandonando a teoria não concretista do Mandado de
Injunção e adotando a teoria concretista geral, o STF diante da ausência de
norma regulamentadora, determinou a aplicação da Lei 7783/90 (que regula o
exercício do direito de greve dos celetistas) para os
servidores públicos;
- RE
581352/AM: exemplo mais recente, resumido na Parte I, em que o Min.
Celso de Mello garantiu a possibilidade de o Judiciário impor obrigações
de fazer a maternidades estaduais.
Reserva do Possível x Mínimo Existencial
(Marcelo Novelino)
Ao analisar
a possibilidade de implementação de determinada política pública pelo
Judiciário, o julgador faz a ponderação, no caso concreto, de dois conceitos:
reserva do possível x mínimo existencial.
Diz a
doutrina que tais conceitos são os limites do ativismo judicial.
A expressão
“reserva do possível” está diretamente ligada às questões
orçamentárias. É uma expressão que surgiu no direito alemão com o Tribunal
Federal Constitucional em uma decisão proferida em 1972, relacionada a vagas em
universidades. Nesse caso, um grupo de indivíduos alemães ajuizou uma ação
questionando a falta de vagas em universidades públicas.
Ocorre que,
na Alemanha, a Constituição não consagra um rol de direitos sociais expresso.
Apesar disso, nesse caso, o grupo que ajuizou a ação invocou, como fundamento do
seu pedido, o direito fundamental ao exercício profissional. Assim, a educação a
partir do acesso à universidade seria necessária para que se pudesse exercer a
profissão escolhida pela pessoa plenamente. O Tribunal Alemão disse que esse
pensamento era correto; e que o pedido era o desejável. No entanto, entendeu que
o desejável nem sempre seria possível na prática, em razão das limitações
orçamentárias que o Estado possui. Então, o Tribunal utilizou, pela primeira
vez, a expressão “reserva do possível”.
No Brasil,
analisa-se, hoje, a reserva do possível em três aspectos:
(1)
Possibilidade fática:
A
possibilidade fática é a disponibilidade dos recursos orçamentários necessários
à satisfação do direito prestacional. Questiona-se: o Estado teria recursos
financeiros suficientes para realizar plenamente aquele direito social
consagrado?
(2)
Possibilidade
jurídica:
A
possibilidade jurídica consiste na existência de autorização orçamentária para
cobrir as despesas, assim como na análise das competências
federativas.
(3)
Razoabilidade da exigência e
proporcionalidade da prestação:
Segundo
Celso de Mello, “a realização prática dos direitos prestacionais depende da
razoabilidade da pretensão individual ou social exigida em face do
Estado”.
Ou seja,
deve ser analisado se, naquele caso específico, é razoável que o Estado forneça
aquela prestação.
De outro
lado, temos o “mínimo existencial”, que é expressão que também
surgiu na Alemanha, numa decisão proferida pelo seu Tribunal Federal
Administrativo, em 1953. Depois dessa decisão, a expressão passou a ser
utilizada, também, pelo Tribunal Constitucional Federal Alemão.
No Brasil, o
mínimo existencial consiste num pequeno grupo de direitos sociais ligados de
forma mais íntima à dignidade da pessoa humana, direitos esses que devem contar com uma maior
efetividade.
Um dos
problemas que envolvem o mínimo existencial é saber quais direitos estão nele
contemplados, bem como em que grau, medida e profundidade eles devem ser
implementados.
Segundo Ana
Paula de Barcellos, o mínimo existencial é composto pelos seguintes direitos:
direito à saúde, educação básica,
assistência aos desamparados em caso de necessidade e acesso à
justiça.
De qualquer
modo, o conteúdo do mínimo existencial no Brasil é muito polêmico, não havendo
consenso sobre quais direitos sociais estariam nele abrangidos, nem em que
medida deveriam ser implementados.
E de
que forma esses conceitos se relacionam?
Veremos
alguns posicionamentos:
Daniel Sarmento: Para este autor, os
direitos que compõem o mínimo existencial devem ter um peso maior que aquele
conferido aos demais.
Ex. Direito
à saúde é mais relevante do que o direito ao lazer. Então, para o Estado negar a
prestação à saúde, o seu ônus argumentativo será muito maior.
Ingo Sarlet: Entende que o mínimo
existencial não se sujeita à reserva do possível.
STF: Entende que a reserva do possível
só prevalece no caso de comprovada, objetivamente, a incapacidade
econômico-financeira da pessoa estatal. Nesse caso, desta não se poderá
razoavelmente exigir, considerada a limitação material referida, a imediata
efetivação do comando fundado no texto da Carta Política.
Críticas (essencial para candidatos à
advocacia pública)
Lenio Strek
afirma que a grande questão não é o “quanto de judicialização”, mas “como as
questões judicializadas” devem ser decididas.
Ressalta
que:
“Saímos,
assim, de uma estagnação para um ativismo, entendido como a substituição do
Direito por juízos subjetivos do julgador. Além disso, caímos em uma espécie de
pan-principiologismo, isto é, quando não concordamos com a lei ou com a
Constituição, construímos um princípio. (...) Tudo se judicializa. Na ponta
final, ao invés de se mobilizar e buscar seus direitos por outras vias
(organização, pressões políticas, etc.), o cidadão vai direto ao Judiciário, que
se transforma em um grande guichê de reclamações da sociedade. Ora, democracia
não é apenas direito de reclamar judicialmente alguma coisa. Por isso é que
cresce a necessidade de se controlar a decisão dos juízes e tribunais, para
evitar que estes substituam o
legislador. E nisso se inclui o STF, que não é — e não deve ser — um
super poder”.
Daniel
Sarmento afirma:
“Os
princípios constitucionais converteram-se em verdadeiras "varinhas de condão":
com eles, o julgador de plantão consegue fazer quase tudo o que quiser. Esta
prática é profundamente danosa a valores extremamente caros ao Estado
Democrático de Direito. Ela é prejudicial à democracia, porque
permite que juízes não eleitos imponham a suas preferências e valores aos
jurisdicionados, muitas vezes passando por cima de deliberações do legislador.
Ela compromete a separação dos
poderes, porque dilui a fronteira entre as funções judiciais e
legislativas”.
Resumindo:
ativismo judicial (se adotado de forma exacerbada) compromete a separação de
poderes e a democracia, tranformando o Poder Judiciário em
Legislativo.
Conclusão
Influenciado
pelo neoconstitucionalismo, o Poder Judiciário, nos últimos anos, tem
demonstrado uma tendência em abandonar sua postura de autocontenção frente a
demandas que envolvam a efetivação de políticas públicas.
Para tanto,
vem-se adotando um perfil ativista, contramajoritário, facilmente identificado
nos julgamentos acima citados.
Em tais
julgamentos, os principais conceitos analisados no caso concreto são: reserva do
possível x mínimo existencial.
Ocorre que
essa mudança de comportamento tem sido alvo de diversas críticas pela doutrina e
operadores do direito.
Logo,
recomenda-se que em provas de concursos públicos o candidato discorra sobre o
tema abordando cada um dos tópicos aqui analisados (mesmo que de forma
breve).
Fontes:
Por Mila
Gouveia
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluir