terça-feira, 7 de janeiro de 2014

ARTIGO: POLÍTICAS PÚBLICAS E PODER JUDICIÁRIO

 
Conceitos importantes (Barroso)

 

-Políticas públicas: representam a totalidade de ações, metas e planos que os governos (nacionais, estaduais ou municipais) traçam para alcançar o bem-estar da sociedade e o interesse público.

Ex: distribuição de medicamentos e tratamentos pelo SUS.

 

-Judicialização: significa que algumas questões de larga repercussão política ou social estão sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário, e não pelas instâncias políticas tradicionais (Poder Executivo e Congresso Nacional).

Ex: o STF foi instado a se manifestar sobre a regulamentação do direito de greve dos servidores públicos em Mandados de Injunção como os de n. 670, 708 e 712, diante da mora do Legislador.

 

-Ativismo: não é sinônimo de judicialização, é conceito-primo, conforme o Min. Luís Roberto Barroso.

Ele afirma que, enquanto a judicialização é um fato (uma questão com repercussão política/social chegar no STF para ser julgada), o ativismo é uma atitude.

É a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance.

A postura ativista se manifesta por meio de diferentes condutas, que incluem:

a)          a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário;

b)          a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição;

c)           a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, notadamente em matéria de políticas públicas.

 

-Autocontenção judicial (“self-restraint”): é o oposto do ativismo.

É a conduta pela qual o Judiciário procura reduzir sua interferência nas ações dos outros Poderes. Por essa linha, juízes e tribunais:

a)          evitam aplicar diretamente a Constituição a situações que não estejam no seu âmbito de incidência expressa, aguardando o pronunciamento do legislador ordinário;

b)          utilizam critérios rígidos e conservadores para a declaração de inconstitucionalidade de leis e atos normativos; e

c)           abstêm-se de interferir na definição das políticas públicas.

 

-Função contramajoritária do STF: significa dispensar efetiva proteção às minorias contra eventuais excessos (ou omissões) da maioria. Ex: reconhecimento da união estável homoafetiva.

 

Breve histórico

Desde o final da II Guerra Mundial verificou-se, na maior parte dos países ocidentais, um avanço da justiça constitucional contramajoritária.

Isso porque foi nesse período em que o neoconstitucionalismo (filosoficamente inspirado no pós-positivismo) despontou como nova forma de se enxergar uma Constituição.

Três foram as principais mudanças geradas por esse movimento:

- o reconhecimento de força normativa à Constituição;

- a expansão da jurisdição constitucional;

- e o desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional.

As mencionadas mudanças tiveram como principal foco a efetivação e concretização dos direitos fundamentais.

E é justamente na tentativa de concretizar esses direitos que a postura ativista do Judiciário tem início.

Conforme o Min. Celso de Mello, no julgamento da ADPF 45:

“É certo que não se inclui, ordinariamente, no âmbito das funções institucionais do Poder Judiciário - e nas desta Suprema Corte, em especial - a atribuição de formular e de implementar políticas públicas, pois, nesse domínio, o encargo reside, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo.

Tal incumbência, no entanto, embora em bases excepcionais, poderá atribuir-se ao Poder Judiciário, se e quando os  órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional, ainda que derivados de cláusulas revestidas de conteúdo programático”.

Nota-se, assim, que desde a CF/88, o Poder Judiciário está cada dia mais se distanciando da antiga posição de autocontenção e aproximando-se de um perfil ativista.

 

Vejamos alguns exemplos no STF:

- ADI 4277: diante da falta de disciplina legal e com fundamento nos art. 3º, IV, CF; na dignidade da pessoa humana; no direito à busca da felicidade (...) reconheceu-se a união estável homoafetiva;

 

- PET 3388: a Corte considerou válidos a portaria e o decreto presidencial que homologaram a demarcação da reserva Raposa Serra do Sol, porém listou 19 condições para a execução da decisão;

 

- ADPF 54: foi declarada a inconstitucionalidade de interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalo é conduta tipificada nos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, todos do Código Penal;

 

- MI 670, 708 e 712: abandonando a teoria não concretista do Mandado de Injunção e adotando a teoria concretista geral, o STF diante da ausência de norma regulamentadora, determinou a aplicação da Lei 7783/90 (que regula o exercício do direito de greve dos celetistas) para os servidores públicos;

 

- RE 581352/AM: exemplo mais recente, resumido na Parte I, em que o Min. Celso de Mello garantiu a possibilidade de o Judiciário impor obrigações de fazer a maternidades estaduais.

 

Reserva do Possível x Mínimo Existencial (Marcelo Novelino)

 

Ao analisar a possibilidade de implementação de determinada política pública pelo Judiciário, o julgador faz a ponderação, no caso concreto, de dois conceitos: reserva do possível x mínimo existencial.

Diz a doutrina que tais conceitos são os limites do ativismo judicial.

A expressão “reserva do possível” está diretamente ligada às questões orçamentárias. É uma expressão que surgiu no direito alemão com o Tribunal Federal Constitucional em uma decisão proferida em 1972, relacionada a vagas em universidades. Nesse caso, um grupo de indivíduos alemães ajuizou uma ação questionando a falta de vagas em universidades públicas.

Ocorre que, na Alemanha, a Constituição não consagra um rol de direitos sociais expresso. Apesar disso, nesse caso, o grupo que ajuizou a ação invocou, como fundamento do seu pedido, o direito fundamental ao exercício profissional. Assim, a educação a partir do acesso à universidade seria necessária para que se pudesse exercer a profissão escolhida pela pessoa plenamente. O Tribunal Alemão disse que esse pensamento era correto; e que o pedido era o desejável. No entanto, entendeu que o desejável nem sempre seria possível na prática, em razão das limitações orçamentárias que o Estado possui. Então, o Tribunal utilizou, pela primeira vez, a expressão “reserva do possível”.

No Brasil, analisa-se, hoje, a reserva do possível em três aspectos:

(1)   Possibilidade fática:

A possibilidade fática é a disponibilidade dos recursos orçamentários necessários à satisfação do direito prestacional. Questiona-se: o Estado teria recursos financeiros suficientes para realizar plenamente aquele direito social consagrado?

(2)   Possibilidade jurídica:

A possibilidade jurídica consiste na existência de autorização orçamentária para cobrir as despesas, assim como na análise das competências federativas.

(3) Razoabilidade da exigência e proporcionalidade da prestação:

Segundo Celso de Mello, “a realização prática dos direitos prestacionais depende da razoabilidade da pretensão individual ou social exigida em face do Estado”.

Ou seja, deve ser analisado se, naquele caso específico, é razoável que o Estado forneça aquela prestação.

 

De outro lado, temos o “mínimo existencial”, que é expressão que também surgiu na Alemanha, numa decisão proferida pelo seu Tribunal Federal Administrativo, em 1953. Depois dessa decisão, a expressão passou a ser utilizada, também, pelo Tribunal Constitucional Federal Alemão.

No Brasil, o mínimo existencial consiste num pequeno grupo de direitos sociais ligados de forma mais íntima à dignidade da pessoa humana, direitos esses que devem contar com uma maior efetividade.

Um dos problemas que envolvem o mínimo existencial é saber quais direitos estão nele contemplados, bem como em que grau, medida e profundidade eles devem ser implementados.

Segundo Ana Paula de Barcellos, o mínimo existencial é composto pelos seguintes direitos: direito à saúde, educação básica, assistência aos desamparados em caso de necessidade e acesso à justiça.

De qualquer modo, o conteúdo do mínimo existencial no Brasil é muito polêmico, não havendo consenso sobre quais direitos sociais estariam nele abrangidos, nem em que medida deveriam ser implementados.

E de que forma esses conceitos se relacionam?

Veremos alguns posicionamentos:

Daniel Sarmento: Para este autor, os direitos que compõem o mínimo existencial devem ter um peso maior que aquele conferido aos demais.

Ex. Direito à saúde é mais relevante do que o direito ao lazer. Então, para o Estado negar a prestação à saúde, o seu ônus argumentativo será muito maior.

Ingo Sarlet: Entende que o mínimo existencial não se sujeita à reserva do possível.

STF: Entende que a reserva do possível só prevalece no caso de comprovada, objetivamente, a incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal. Nesse caso, desta não se poderá razoavelmente exigir, considerada a limitação material referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta Política.

 

Críticas (essencial para candidatos à advocacia pública)

 

Lenio Strek afirma que a grande questão não é o “quanto de judicialização”, mas “como as questões judicializadas” devem ser decididas.

Ressalta que:

“Saímos, assim, de uma estagnação para um ativismo, entendido como a substituição do Direito por juízos subjetivos do julgador. Além disso, caímos em uma espécie de pan-principiologismo, isto é, quando não concordamos com a lei ou com a Constituição, construímos um princípio. (...) Tudo se judicializa. Na ponta final, ao invés de se mobilizar e buscar seus direitos por outras vias (organização, pressões políticas, etc.), o cidadão vai direto ao Judiciário, que se transforma em um grande guichê de reclamações da sociedade. Ora, democracia não é apenas direito de reclamar judicialmente alguma coisa. Por isso é que cresce a necessidade de se controlar a decisão dos juízes e tribunais, para evitar que estes substituam o legislador. E nisso se inclui o STF, que não é — e não deve ser — um super poder”.

Daniel Sarmento afirma:

“Os princípios constitucionais converteram-se em verdadeiras "varinhas de condão": com eles, o julgador de plantão consegue fazer quase tudo o que quiser. Esta prática é profundamente danosa a valores extremamente caros ao Estado Democrático de Direito. Ela é prejudicial à democracia, porque permite que juízes não eleitos imponham a suas preferências e valores aos jurisdicionados, muitas vezes passando por cima de deliberações do legislador. Ela compromete a separação dos poderes, porque dilui a fronteira entre as funções judiciais e legislativas”.

Resumindo: ativismo judicial (se adotado de forma exacerbada) compromete a separação de poderes e a democracia, tranformando o Poder Judiciário em Legislativo.

 

Conclusão

Influenciado pelo neoconstitucionalismo, o Poder Judiciário, nos últimos anos, tem demonstrado uma tendência em abandonar sua postura de autocontenção frente a demandas que envolvam a efetivação de políticas públicas.

Para tanto, vem-se adotando um perfil ativista, contramajoritário, facilmente identificado nos julgamentos acima citados.

Em tais julgamentos, os principais conceitos analisados no caso concreto são: reserva do possível x mínimo existencial.

Ocorre que essa mudança de comportamento tem sido alvo de diversas críticas pela doutrina e operadores do direito.

Logo, recomenda-se que em provas de concursos públicos o candidato discorra sobre o tema abordando cada um dos tópicos aqui analisados (mesmo que de forma breve).

Fontes:








 

Por Mila Gouveia

Um comentário:

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