terça-feira, 16 de julho de 2013

INFORMAÇÕES DO PROFESSOR PEDRO ROCHA SOBRE A PROVA DE DIREITOS HUMANOS DO CONCURSO DE DEFENSOR PÚBLICO DO DF

 

(15/07/2013): Resolução da prova de direitos humanos do concurso de Defensor Público do DF

 
 
Olá a todos.

Neste domingo foi realizada a prova objetiva do concurso para defensor público do Distrito Federal.
 

A prova de direitos humanos foi, no geral, bastante tranquila e atipicamente fácil se a compararmos com as recentes provas que o Cespe vinha fazendo para as defensorias públicas.
 
Nosso curso de exercícios comentados aqui no Ponto permitiria conhecer com segurança o conteúdo necessário à resolução de 7 das 8 questões aplicadas pelo Cespe. Apenas a questão sobre a Carta da ONU poderia gerar dúvida, pois o Cespe resolver inovar e, em vez de fazer questões sobre a doutrina que envolve a Carta da ONU, resolveu perguntar sobre um dispositivo que apenas indiretamente trata de direitos humanos.
 
Vamos à prova.
 
Considerando as disposições constitucionais relativas aos direitos humanos e aos tratados que versam sobre o tema, julgue os itens subsequentes.
 
158 O procurador-geral da República poderá, ouvido o Conselho Nacional do Ministério Público, suscitar, perante o STF, incidente de deslocamento de competência para a justiça federal quando julgar que o processo envolve grave violação de direitos humanos e exige o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte.
ERRADA. A alternativa se baseia no art. 109, § 5º, da Constituição Federal. Este dispositivo não faz qualquer menção à necessidade de se ouvir o Conselho Nacional do Ministério Público. E, como alertamos na aula 1, questão 23, página 88, o incidente de deslocamento de competência deve ser suscitado perante o ST-JOTA, e não perante o ST-EFE. Vejam o dispositivo da Constituição:
Art. 109 § 5º Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal.

159 Uma das condições para que os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos sejam considerados equivalentes às normas constitucionais é a sua aprovação, em cada casa do Congresso Nacional, pelo mesmo processo legislativo previsto para a aprovação de proposta de emenda constitucional.
Esta questão não é tão óbvia quanto parece à primeira vista. Ela trata de um dos dispositivos mais insistentemente cobrados pelas bancas de concursos. Esse dispositivo é o art. 5º, § 3º, da Constituição Federal:
Art. 5º § 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.
Percebam que o dispositivo acima é taxativo: cumprido o rito descrito, os tratados serão equivalentes às emendas constitucionais. O verbo e seu tempo não dão brechas para considerações. Bem, o problema da alternativa está no trecho “Uma das condições”. Pelo parágrafo acima, a única forma de um tratado de direitos humanos ter equivalência às emendas constitucionais é, portanto, cumprindo o rito requerido para o trâmite das emendas constitucionais. Esse rito é previsto no art. 60, § 2º, da Constituição:
Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: [...] § 2º - A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros.
Portanto, se há uma única condição para a equivalência de um tratado de direitos humanos a emenda constitucional, e essa condição é aquela corretamente descrita na alternativa, por que o Cespe fala em “uma das condições”? Se considerarmos a alternativa como correta, estaremos aceitando implicitamente que há ao menos alguma outra condição para que se estabeleça a citada equivalência.
Como estudamos na aula 1 do nosso curso, questão 50, página 155, a incorporação de um tratado internacional ao direito brasileiro é um ato complexo. Essa incorporação requer a assinatura do tratado por parte do Executivo, sua posterior aprovação por parte do Congresso Nacional e, finalmente, a ratificação por parte da Presidente da República. Após a ratificação, este processo serve para vincular o Brasil no plano internacional. Entretanto, para ter efeitos internamente, o tratado ainda tem de ser promulgado e publicado por meio de um ato de execução, como um decreto.
Portanto, se entendermos que a aprovação do tratado pelo Congresso é uma das condições para a referida equivalência, e que sua ratificação é uma outra condição, aí, então, a alternativa estaria correta. Devemos nos lembrar de que, na prática, no único caso que tivemos até hoje de tratado de direitos humanos gozando do status de emenda constitucional, o tratado foi, sim, promulgado e publicado por meio do decreto 6.949/2009, do Presidente da República. Ou seja, contrariamente ao que se poderia esperar, a Convenção Sobre o Direito das Pessoas com Deficiência, e seu protocolo adicional, não passou a gozar de aplicação doméstica apenas com a sua promulgação (ou aprovação, segundo Pedro Lenza, 2012:608) por meio do Decreto Legislativo 186/2008, expedido em respeito ao art. 60, § 3º, da Constituição Federal:
Art. 60 § 3º - A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem.
Pelo contrário, na ponderação entre aderir ao trâmite aplicável aos tratados (aprovação do Congresso + promulgação pelo Presidente) e aderir ao trâmite aplicável às emendas constitucionais (promulgação pelas Mesas da Câmara e do Senado, sem manifestação posterior da Presidência da República), prevaleceu o trâmite aplicável aos tratados.
(Este interessante assunto é introduzido pelo Dr. Márcio Garcia, Consultor Legislativo do Senado Federal, no vídeoHTTP://WWW.YOUTUBE.COM/WATCH?V=IKZLQLZIVFE, do momento 06:00 até o 09:37.)
Assim, se o Cespe tiver resolvido se alinhar a este entendimento, entendendo as manifestações do Congresso e da Presidente da República como duas condições diferentes e necessárias, aí, então, a alternativa está correta.
Se nos basearmos apenas na letra e no caráter taxativo (“serão”) do art. 5º, § 3º, a alternativa está errada. Se nos basearmos nas etapas necessárias ao procedimento de incorporação de um tratado de direitos humanos, a alternativa está correta. Creio que o mais prudente seria anular a questão, pois as duas interpretações são possíveis e qualquer gabarito preliminar ensejará a possibilidade de um recurso bem fundamentado. Contudo, parece-me que o que vai prevalecer será a “doutrina” da banca – se dá preferência à letra seca ou ao rito.
Concluo, enfim, que o mais provável será o Cespe considerar a alternativa como CORRETA, visto que a expressão “umas das condições” não deve ter sido inserida à toa. Repito, entretanto, que qualquer gabarito preliminar ensejará um recurso coerente.
 
Julgue o item abaixo com base no que dispõe a Carta das Nações Unidas.
 
160 Os membros não permanentes do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas, em número de dez, devem ser eleitos pela Assembleia Geral com base, entre outros critérios, na distribuição geográfica equitativa.
CERTA. O Cespe, de maneira atípica, resolveu cobrar um dispositivo da Carta da ONU que não guarda relação direta com direitos humanos, que era o suposto tema da questão. Até hoje, o costume do Cespe era o de cobrar o entendimento doutrinário sobre a função e o espírito da Carta da ONU. Vejamos o art. 23, 1, da Carta:
ARTIGO 23 - 1. O Conselho de Segurança será composto de quinze Membros das Nações Unidas. A República da China, a França, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, o Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte e os Estados Unidos da América serão membros permanentes do Conselho de Segurança. A Assembleia Geral elegerá dez outros Membros das Nações Unidas para Membros não permanentes do Conselho de Segurança, tendo especialmente em vista, em primeiro lugar, a contribuição dos Membros das Nações Unidas para a manutenção da paz e da segurança internacionais e para os outros propósitos da Organização e também a distribuição geográfica equitativa.
Como vemos pelos trechos sublinhados, a alternativa do Cespe foi fiel à Carta da ONU. São 10 os membros não-permanentes, eles são eleitos pela Assembleia-Geral e os critérios de seleção são, dentre outros, a distribuição geográfica equitativa.
 
Considerando o disposto na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), julgue os itens subsequentes.
161 Ao aderir à referida convenção, o Brasil reconheceu o direito automático de visitas e inspeções in loco da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, observado o prévio aviso às autoridades governamentais brasileiras.
ERRADA. Este tema foi tratado por nós na aula 2, questão 25, letra B, página 80.
De início, vale ressaltar a correção da questão ao falar da adesão do Brasil, o que de fato aconteceu. Ou seja, ao contrário da confusão que já aconteceu em outro concurso, a vinculação do Brasil à Convenção Americana não se deu, a rigor, por meio de ratificação, mas, sim, por meio de adesão, afinal o Brasil não é um signatário original desse tratado.
Após o depósito de sua carta de adesão à Convenção, sua promulgação interna se deu por meio do decreto 678/92. Nesse decreto, o Brasil fez a seguinte declaração interpretativa:
"O Governo do Brasil entende que os arts. 43 e 48, alínea d, não incluem o direito automático de visitas e inspeções in locoda Comissão Interamericana de Direitos Humanos, as quais dependerão da anuência expressa do Estado".
Ou seja, conforme diz a alternativa, visitas e inspeções in loco da Comissão Interamericana realmente requerem prévio aviso ou anuência das autoridades brasileiras. ENTRETANTO, ao contrário do que diz a alternativa, o Brasil NÃO reconheceu o direito automático dessas visitas e inspeções. Logo, a alternativa está errada.
 
162 Qualquer pessoa ou grupo de pessoas, ou entidade não governamental legalmente reconhecida em um ou mais Estados-membros da OEA tem competência para ingressar com petições que contenham denúncias ou queixas de violação da Convenção sobre Direitos Humanos perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
CORRETA. Alternativa bem tranquila que trata do art. 44, um dos dispositivos mais habitualmente explorados da Convenção Americana. Vejamos o seu conteúdo:
Artigo 44 - Qualquer pessoa ou grupo de pessoas, ou entidade não-governamental legalmente reconhecida em um ou mais Estados-membros da Organização, pode apresentar à Comissão petições que contenham denúncias ou queixas de violação desta Convenção por um Estado-parte.
Tratamos desse tema na aula 2, questão 15, página 43. Pode parecer que há falta de precisão quando a alternativa fala apenas em “Convenção sobre Direitos Humanos”. Poderíamos nos perguntar ‘mas qual convenção?’. Mas devemos observar que a afirmativa 162 está vinculada ao enunciado lá em cima, antes da afirmativa 161, o qual é claro em falar da ‘Convenção Americana Sobre Direitos Humanos’. Nenhuma dúvida resta, portanto.
 
Com base nas disposições do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, julgue o item abaixo.
163 Toda pessoa tem direito à liberdade de expressão, independentemente de considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro meio de sua escolha, não podendo o exercício desse direito estar sujeito a qualquer tipo de restrição ou limites por parte dos Estados subscritores do pacto em apreço.
ERRADA. Tratamos especificamente deste assunto na aula 2, questão 39, página 143.
A questão explora a redação do art. 19 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos. Vejamos esse dispositivo:
Art. 19 1.  Ninguém poderá ser molestado por suas opiniões.
2.  Toda pessoa terá direito à liberdade de expressão; esse direito incluirá a liberdade de procurar, receber e difundir informações e ideias de qualquer natureza, independentemente de considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, em forma impressa ou artística, ou qualquer outro meio de sua escolha.
3.  O exercício do direito previsto no § 2º do presente artigo implicará deveres e responsabilidades especiais. Consequentemente, poderá estar sujeito a certas restrições, que devem, entretanto, ser expressamente previstas em lei e que se façam necessárias para:
a) assegurar o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas;
b) proteger a segurança nacional, a ordem, a saúde ou a moral pública.
A alternativa do Cespe está errada ao dizer que o exercício da liberdade de expressão não pode estar sujeito a qualquer tipo de restrição ou limites. Pelo contrário. Em respeito ao parágrafo 3º do art. 19, esse exercício pode, sim, estar sujeito às restrições, previstas em lei, necessárias para o que está previsto nas alíneas “a” e “b” acima.
 
Julgue os itens seguintes, relacionados à Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher e à responsabilidade internacional do Estado.
164 Os atos de órgãos do Estado contrários ao direito internacional implicam responsabilidade internacional, mesmo se forem baseados no seu direito interno.
CORRETA. A responsabilização internacional de um Estado recai sobre a União, ainda que seja diverso o ente federado responsável pelo desrespeito à norma de direito internacional. Logo, podemos concluir que órgãos do Estado, por suas ações contrárias ao direito internacional, ensejam responsabilização para o Estado brasileiro. A esse respeito, vejamos a aula 1, questão 23, página 87.
E, em respeito ao art. 27 da Declaração de Viena Sobre o Direito dos Tratados, “Uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado.” Seria muito conveniente um Estado vincular-se internacionalmente a um tratado e, depois de desrespeitá-lo, alegar imposições de direito interno, não é mesmo?
Uma possível fonte do Cespe para elaborar esta questão são as seguintes palavras de Paulo Emílio Vauthier Borges de Macedo:
Uma das regras mais aceitas de direito internacional, que remonta ao Caso Alabama de 1876, é a de que as disposições de direito nacional não podem prevalecer sobre as de um tratado. Ao contrário, a parte de um tratado se obriga a assegurar que os seus órgãos de direito interno executem as provisões ali dispostas. Essa concepção se aplica até mesmo se as normas internas tiverem status constitucional. Outrossim, em conjunto com o art. 29, o art. 27 obriga um Estado federal a assegurar a observância do tratado em cada unidade constitutiva. (In Direito dos tratados : comentários à convenção de Viena sobre o direito dos tratados (1969), organização de Aziz Tuffi Saliba, Arraes Editores, Belo Horizonte, 2011, página 191.)
 
165 Nessa convenção, é prevista a possibilidade de adoção, pelos Estados-partes, de medidas especiais de caráter temporário destinadas a acelerar a igualdade de fato entre o homem e a mulher; tais medidas não serão consideradas discriminatórias e deverão cessar quando os objetivos de igualdade de oportunidade e tratamento houverem sido alcançados.
CORRETA. A Convenção Internacional Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher (CEDAW, na corriqueira sigla em inglês) prevê, em seu art. 4º, a possibilidade de seus Estados-partes implementarem ações de discriminação positiva; ou seja, ações afirmativas que visem a acelerar o alcance da igualdade material entre homens e mulheres. A esse respeito, ver a aula 2, página 160.
Vejamos o art. 4º, 1, dessa Convenção:
Artigo 4º - 1. A adoção pelos Estados-partes de medidas especiais de caráter temporário destinadas a acelerar a igualdade de fato entre o homem e a mulher não se considerará discriminação na forma definida nesta Convenção, mas de nenhuma maneira implicará, como consequência, a manutenção de normas desiguais ou separadas; essas medidas cessarão quando os objetivos de igualdade de oportunidade e tratamento houverem sido alcançados.
Essa previsão da CEDAW é equivalente à previsão sobre discriminações positivas prevista pelo art. 1º, 4, da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial:
4.  Não serão consideradas discriminações racial as medidas especiais tomadas como o único objetivo de assegurar progresso adequado de certos grupos raciais ou étnicos ou indivíduos que necessitem da proteção que possa ser necessária para proporcionar a tais grupos ou indivíduos igual gozo ou exercício de direitos humanos e liberdades fundamentais, contanto que tais medidas não conduzam, em consequência , à manutenção de direitos separados para diferentes grupos raciais e não prossigam após terem sidos alcançados os seus objetivos.
 
Gabarito proposto:
158 E / 159 C / 160 C / 161 E / 162 C / 163 E / 164 C / 165 C
Não deixe de verificar se a numeração das questões é a mesma da sua prova.
 
Bem, encerramos aqui o comentário a esta prova. Espero que todos tenham ido bem!
 
Caso o gabarito preliminar traga alguma surpresa ou se a redação de alguma questão estiver em desacordo com o caderno de provas divulgado pelo Cespe, postarei um novo artigo, ok?
 
Excelentes provas discursiva e oral para todos. Se vierem a precisar de alguma ajuda, me enviem um email.
 
Grande abraço!
Pedro

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