terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

EXECUÇÃO PROVISÓRIA DAS ASTREINTES SEGUNDO A JURISPRUDÊNCIA DO STJ - ARTIGO MARCOS CAVALCANTE


EXECUÇÃO PROVISÓRIA DAS ASTREINTES SEGUNDO A JURISPRUDÊNCIA DO STJ

O Informativo 511 do STJ noticiou um julgado que suscitou inúmeros debates entre os processualistas. Trata-se da discussão sobre a possibilidade ou não de execução provisória das astreintes.

 

O cerne do debate é o seguinte: é possível a execução provisória das astreintes fixadas em tutela antecipada?

Vou responder a essa pergunta, no entanto, antes relembremos alguns aspectos sobre as astreintes.

 

Se o autor ajuíza uma ação pretendendo que o réu seja obrigado a fazer ou não fazer alguma coisa, o juiz, atendidos os requisitos legais, poderá conceder a tutela antecipada, na forma de tutela específica, determinando que o réu adote o comportamento que é objeto da ação.

 

Exemplo (hipotético): “A”, atriz, ingressa com ação de obrigação de fazer contra o site “X”, especializado em celebridades, tendo como pedido (objeto) que o referido site retire de suas páginas fotos íntimas da autora e cuja publicação ela não autorizou.

 

O juiz analisa a petição inicial e entende que é relevante o fundamento da demanda e que há justificado receio de ineficácia do provimento final, razão pela qual concede liminarmente a tutela antecipada determinando que o site retire, em 24 horas, as fotos de suas páginas. Essa decisão interlocutória está fundada no § 3º do art. 461 do CPC:

 

Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação         ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

(…)

§ 3º Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o réu. A medida liminar poderá ser revogada ou modificada, a qualquer tempo, em decisão fundamentada.

 

O juiz, para que a sua decisão tenha “força” e desperte no réu a ânsia de cumpri-la, deve determinar alguma medida coercitiva. A mais conhecida delas é a multa cominatória, prevista no § 4º do art. 461 do CPC:

 

§ 4º O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor,se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito.

 

Multa cominatória (astreinte). Principais características:

  • Essa multa coercitiva tornou-se conhecida no Brasil pelo nome de “astreinte” em virtude de ser semelhante (mas não idêntica) a um instituto processual previsto no direito francês e que lá assim é chamado.
  • A finalidade dessa multa é coercitiva, isto é, pressionar o devedor a realizar a prestação. Trata-se de uma técnica judicial de coerção indireta.
  • Apresenta um caráter híbrido, possuindo traços de direito material e também de direito processual.
  • Não tem finalidade ressarcitória, tanto é que pode ser cumulada com as perdas e danos (§ 2º do art. 461).
  • Pode ser imposta de ofício ou a requerimento, pelo juiz, na fase de conhecimento ou de execução.
  • Apesar do CPC falar em “multa diária”, a doutrina afirma que essa multa pode ser estipulada também em meses, anos ou até em horas.
  • O valor das astreintes é revertido em favor do credor, ou seja, o destinatário das astreintes é o autor da demanda (REsp 949.509-RS).
  • A parte beneficiada com a imposição das astreintes somente continuará tendo direito ao valor da multa se sagrar-se vencedora. Se, no final do processo, essa parte sucumbir, não terá direito ao valor da multa ou, se já tiver recebido, deverá devolver.

O autor pode exigir o pagamento das astreintes antes do final do processo (antes do trânsito em julgado)? Em outras palavras, é possível a execução provisória das astreintes fixadas em tutela antecipada?

Havia duas posições antagônicas no STJ sobre o tema:

 

1ª corrente: NÃO. Não é possível a execução provisória das astreintes. É necessário que haja o trânsito em julgado para que elas sejam exigidas. Em suma, somente ao final do processo o beneficiário da multa poderá executá-la. Nesse sentido: AgRg no AREsp 50.196/SP, Min. Arnaldo Esteves Lima, 1ª Turma, julgado em 21/08/2012.

 

2ª corrente: SIM. É possível a execução provisória das astreintes sem quaisquer condicionamentos, ou seja, com base até mesmo em uma mera decisão interlocutória. Logo após o descumprimento da decisão que fixou a multa é possível ao beneficiário executá-la. Nesse sentido: AgRg no AREsp 50.816/RJ, 2ª Turma, Min. Herman Benjamin, julgado em 07/08/2012.

Como se percebe, eram duas posições em extremos opostos.

 

No Informativo 511 do STJ foi noticiado o REsp 1.347.726-RS, que se constitui em uma terceira corrente, intermediária entre as duas posições acima explicadas. O que ela preconiza?

 

É possível a execução provisória das astreintes fixadas em tutela antecipada desde que cumpridos dois requisitos:

 

a) o pedido a que se vincula a astreinte seja julgado procedente na sentença ou acórdão;

b) o recurso interposto contra essa sentença ou acórdão não tenha sido recebido no efeito suspensivo.

 

Voltando ao nosso exemplo. O juiz concedeu liminarmente a tutela antecipada para que o site retirasse as fotos em até 24 horas, sob pena de multa de R$ 1 mil por cada hora de descumprimento.

 

A direção do site recebeu a intimação, mas somente retirou as fotos 48 horas depois. Logo, terá que pagar uma multa de R$ 24 mil pelo atraso no cumprimento da obrigação de fazer estabelecida pela decisão judicial. O processo continua e ainda não foi sentenciado.

 

É possível a execução provisória dessa multa de R$ 24 mil?

 

Para a 1ª corrente: NÃO. Somente será possível a execução da multa se o pedido do autor for julgado procedente e houver o trânsito em julgado.

 

Para a 2ª corrente: SIM. É possível a execução provisória das astreintes sem quaisquer condicionamentos, ou seja, com base até mesmo em uma mera decisão interlocutória ainda não confirmada, como foi o caso do exemplo acima.

 

Para a 3ª corrente: ainda não, considerando que não houve sentença julgando procedente o pedido do autor.

 

Imagine, então, que é proferida sentença julgando procedente o pedido do autor. O réu recorre e a apelação é recebida em seu duplo efeito (devolutivo e suspensivo), mas ainda não julgada. Será possível a execução provisória das astreintes?

 

Para a 1ª corrente: NÃO.

Para a 2ª corrente: SIM.

Para a 3ª corrente: ainda não, considerando que houve sentença julgando procedente o pedido do autor, no entanto, foi interposto recurso contra essa decisão, tendo ele sido recebido no efeito suspensivo.

 

A apelação é improvida, sendo mantida, portanto, a sentença. O réu não se conforma e interpõe recurso especial e recurso extraordinário, que são recebidos apenas no efeito devolutivo. Será possível a execução provisória das astreintes?

 

Para a 1ª corrente: NÃO.

Para a 2ª corrente: SIM.

Para a 3ª corrente: SIM, considerando que houve sentença julgando procedente o pedido do autor, confirmada por um acórdão e os recursos interpostos não gozam de efeito suspensivo.

 

Resumindo:

É POSSÍVEL A EXECUÇÃO PROVISÓRIA DAS ASTREINTES FIXADAS EM TUTELA ANTECIPADA?
1ª corrente: NÃO
Não é possível a execução provisória das astreintes.
É necessário o trânsito em julgado para que elas sejam exigidas.
2ª corrente: SIM
É possível a execução provisória das astreintes sem quaisquer condicionamentos, ou seja, com base até mesmo em uma mera decisão interlocutória ainda não confirmada.
3ª corrente: SIM
É possível a execução provisória das astreintes desde que:
a) o pedido a que se vincula a astreinte seja julgado procedente na sentença ou acórdão;
b) o recurso interposto contra essa sentença ou acórdão não tenha sido recebido no efeito suspensivo.
Principais argumentos:
A multa só deve ser paga à parte que sagrar-se definitivamente vencedora na demanda. Logo, deve-se aguardar o final do processo.
A mera ameaça de aplicação da multa, ao final, já é suficiente para provocar uma pressão psicológica no devedor.
Principais argumentos:
Para que a multa possa cumprir sua
função coercitiva é necessário que ela possa ser exigida imediatamente.
Condicionar a exigência da multa ao
trânsito em julgado iria enfraquecer a pressão psicológica que as astreintes
devem causar.
Principais argumentos:
Os dispositivos
legais que exigem o trânsito em julgado referem-se apenas aos processos coletivos.
Desse modo, não há determinação legal para que se aguarde o fim do processo
para se cobrar as astreintes.
Por outro lado, não é admissível a
execução da multa com base em mera decisão interlocutória (que tem cognição
sumária e precária), sendo necessário que a liminar que as fixou seja confirmada
em sentença ou acórdão para garantir maior segurança.
Na jurisprudência:
“Nos termos da reiterada
jurisprudência do STJ, a multa diária somente é exigível com o trânsito em
julgado da decisão que, confirmando a tutela antecipada no âmbito da qual foi
aplicada, julgar procedente a demanda.”
(AgRg no AREsp 50.196/SP, 1ª T, DJe 27/08/2012)
Na jurisprudência:
“É desnecessário o trânsito em julgado da sentença para que seja executada a multa por descumprimento fixada em antecipação de tutela” (AgRg no AREsp 50.816/RJ, 2ª T., DJe 22/08/2012)
(…) É possível a execução da decisão interlocutória que determinou o pagamento de astreintes no caso de descumprimento de obrigação (…) (AgRg no REsp 1299849/MG, 3ª T, DJe 07/05/2012)
Na jurisprudência:
“As astreintes serão exigíveis e, portanto, passíveis de execução provisória, quando a liminar que as fixou for confirmada em sentença ou acórdão de natureza
definitiva (art. 269 do CPC), desde que o respectivo recurso deduzido contra a decisão não seja recebido no efeito suspensivo. A pena incidirá, não obstante, desde a data da fixação em decisão interlocutória.”
(REsp 1347726/RS, 4ª T, DJe
04/02/2013)
Na doutrina:
Cândido Rangel Dinamarco
Luiz Guilherme Marinoni
Na doutrina:
Cássio Scarpinella Bueno
Fredie Didier Jr.
Na doutrina:
Não encontrada referência.

 

Para fins de concurso, essa pergunta não poderia ser cobrada em uma primeira fase por ainda representar divergência jurisprudencial. Para provas discursivas, é importante que você conheça a existência das três correntes. Particularmente, entendo como mais razoável a 3ª posição. De qualquer forma, havendo mudança no panorama acima, eu aviso a vocês.

 

Previsões em leis especiais

 

Atenção. A explicação dada acima refere-se ao regramento do processo individual regulado pelo CPC. Existem, contudo, previsões em leis especiais estabelecendo que as astreintes somente podem ser exigidas após o trânsito em julgado. Confira:

 

Lei n.° 7.347/85 (Lei da ACP):

Art. 12. Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo.

(…)

 

§ 2º A multa cominada liminarmente só será exigível do réu após o trânsito em julgado da decisão favorável ao autor, mas será devida desde o dia em que se houver configurado o descumprimento.

 

Esse dispositivo é aplicado pelo STJ:

(…) A exigibilidade da multa cominada liminarmente em ação civil pública fica condicionada ao trânsito em julgado da decisão final favorável ao autor (art. 12, § 2º, da Lei 7.347/85) (…) (EDcl no AgRg no REsp 756.224/MG, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 27/09/2011, DJe 04/10/2011)

 

Lei n.° 8.069/90 (ECA):

 

Art. 213. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

 

§ 1º Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citando o réu.

 

§ 2º O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando prazo razoável para o cumprimento do preceito.

 

§ 3º A multa só será exigível do réu após o trânsito em julgado da sentença favorável ao autor, mas será devida desde o dia em que se houver configurado o descumprimento.

 

O CESPE, em um concurso realizado em 2012, exigiu essa previsão específica. Veja:

 

(Juiz de Direito/AC – 2012) A respeito da proteção judicial dos interesses individuais, difusos e coletivos das crianças e dos adolescentes, assinale a opção correta conforme disposição do ECA e entendimento do STJ:

 

A) Ao deferir liminar ou proferir sentença, o juiz poderá impor, independentemente de pedido do autor, multa diária ao réu, suficiente ou compatível com a obrigação. Nesse caso, o pagamento da multa será exigível somente após o trânsito em julgado da sentença favorável ao autor, mas o valor será devido desde o dia em que tiver sido configurado o descumprimento da obrigação. (alternativa considerada CORRETA)

 

Lei n.° 10.741/2003 (Estatuto do Idoso):

 

Art. 83. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não-fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao adimplemento.

 

§ 1º Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, na forma do art. 273 do Código de Processo Civil.

 

§ 2º O juiz poderá, na hipótese do § 1º ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente do pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando prazo razoável para o cumprimento do preceito.

 

§ 3º A multa só será exigível do réu após o trânsito em julgado da sentença favorável ao autor, mas será devida desde o dia em que se houver configurado.

 

Um comentário:

  1. Excelente apanhado sobre o tema!! Parabéns pela iniciativa!!
    Lucas Prazeres.
    Advogado.

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