EXECUÇÃO PROVISÓRIA DAS
ASTREINTES SEGUNDO A JURISPRUDÊNCIA DO STJ
O Informativo 511 do STJ noticiou um
julgado que suscitou inúmeros debates entre os processualistas. Trata-se da
discussão sobre a possibilidade ou não de execução provisória das astreintes.
O cerne do debate é o seguinte: é
possível a execução provisória das astreintes fixadas em tutela antecipada?
Vou responder a essa pergunta, no
entanto, antes relembremos alguns aspectos sobre as astreintes.
Se o autor ajuíza uma ação
pretendendo que o réu seja obrigado a fazer ou não fazer alguma coisa, o juiz,
atendidos os requisitos legais, poderá conceder a tutela antecipada, na forma
de tutela específica, determinando que o réu adote o comportamento que é objeto
da ação.
Exemplo (hipotético): “A”, atriz,
ingressa com ação de obrigação de fazer contra o site “X”, especializado em
celebridades, tendo como pedido (objeto) que o referido site retire de suas
páginas fotos íntimas da autora e cuja publicação ela não autorizou.
O juiz analisa a petição inicial e
entende que é relevante o fundamento da demanda e que há justificado receio de
ineficácia do provimento final, razão pela qual concede liminarmente a tutela
antecipada determinando que o site retire, em 24 horas, as fotos de suas
páginas. Essa decisão interlocutória está fundada no § 3º do art. 461 do CPC:
Art. 461. Na ação que tenha por
objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou
não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido,
determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do
adimplemento.
(…)
§ 3º Sendo relevante o fundamento da
demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente
ou mediante justificação prévia, citado o réu. A medida liminar poderá ser
revogada ou modificada, a qualquer tempo, em decisão fundamentada.
O juiz, para que a sua decisão tenha
“força” e desperte no réu a ânsia de cumpri-la, deve determinar alguma medida
coercitiva. A mais conhecida delas é a multa cominatória, prevista no § 4º do
art. 461 do CPC:
§ 4º O juiz poderá, na hipótese do parágrafo
anterior ou na sentença, impor multa diária ao
réu, independentemente de pedido do autor,se for suficiente ou
compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo
razoável para o cumprimento do preceito.
Multa
cominatória (astreinte). Principais características:
- Essa multa coercitiva tornou-se conhecida no Brasil pelo nome de “astreinte” em virtude de ser semelhante
(mas não idêntica) a um instituto processual previsto no direito francês e
que lá assim é chamado.
- A finalidade dessa multa é coercitiva, isto é, pressionar o devedor
a realizar a prestação. Trata-se de uma técnica judicial de coerção
indireta.
- Apresenta um caráter híbrido, possuindo traços de direito material
e também de direito processual.
- Não tem finalidade ressarcitória, tanto é que pode ser cumulada com
as perdas e danos (§ 2º do art. 461).
- Pode ser imposta de ofício ou a requerimento, pelo juiz, na fase de
conhecimento ou de execução.
- Apesar do CPC falar em “multa diária”, a
doutrina afirma que essa multa pode ser estipulada também em meses, anos
ou até em horas.
- O valor das astreintes é revertido em
favor do credor, ou seja, o destinatário das astreintes é o autor da
demanda (REsp 949.509-RS).
- A parte beneficiada com a imposição das astreintes somente
continuará tendo direito ao valor da multa se sagrar-se vencedora. Se, no
final do processo, essa parte sucumbir, não terá direito ao valor da multa
ou, se já tiver recebido, deverá devolver.
O
autor pode exigir o pagamento das astreintes antes do final do processo (antes
do trânsito em julgado)? Em outras palavras, é possível a execução provisória
das astreintes fixadas em tutela antecipada?
Havia
duas posições antagônicas no STJ sobre o tema:
1ª
corrente: NÃO. Não é possível a execução
provisória das astreintes. É necessário que haja o trânsito em julgado para que
elas sejam exigidas. Em suma, somente ao final do processo o beneficiário da
multa poderá executá-la. Nesse sentido: AgRg no AREsp 50.196/SP, Min. Arnaldo
Esteves Lima, 1ª Turma, julgado em 21/08/2012.
2ª
corrente: SIM. É possível a execução
provisória das astreintes sem quaisquer condicionamentos, ou seja, com base até
mesmo em uma mera decisão interlocutória. Logo após o descumprimento da decisão
que fixou a multa é possível ao beneficiário executá-la. Nesse sentido: AgRg no
AREsp 50.816/RJ, 2ª Turma, Min. Herman Benjamin, julgado em 07/08/2012.
Como
se percebe, eram duas posições em extremos opostos.
No
Informativo 511 do STJ foi noticiado o REsp 1.347.726-RS, que se constitui em
uma terceira corrente, intermediária entre as duas posições acima explicadas. O
que ela preconiza?
É
possível a execução provisória das astreintes fixadas em tutela antecipada
desde que cumpridos dois requisitos:
a)
o pedido a que se vincula a astreinte seja julgado procedente na sentença ou
acórdão;
b)
o recurso interposto contra essa sentença ou acórdão não tenha sido recebido no
efeito suspensivo.
Voltando ao nosso exemplo. O juiz
concedeu liminarmente a tutela antecipada para que o site retirasse as
fotos em até 24 horas, sob pena de multa de R$ 1 mil por cada hora de
descumprimento.
A direção do site recebeu a
intimação, mas somente retirou as fotos 48 horas depois. Logo, terá que pagar
uma multa de R$ 24 mil pelo atraso no cumprimento da obrigação de fazer
estabelecida pela decisão judicial. O processo continua e ainda não foi
sentenciado.
É possível a execução provisória
dessa multa de R$ 24 mil?
Para
a 1ª corrente: NÃO. Somente será possível a
execução da multa se o pedido do autor for julgado procedente e houver o
trânsito em julgado.
Para
a 2ª corrente: SIM. É possível a execução
provisória das astreintes sem quaisquer condicionamentos, ou seja, com base até
mesmo em uma mera decisão interlocutória ainda não confirmada, como foi o caso
do exemplo acima.
Para
a 3ª corrente: ainda não, considerando que não
houve sentença julgando procedente o pedido do autor.
Imagine,
então, que é proferida sentença julgando procedente o pedido do autor. O réu
recorre e a apelação é recebida em seu duplo efeito (devolutivo e suspensivo),
mas ainda não julgada. Será possível a execução provisória das astreintes?
Para
a 1ª corrente: NÃO.
Para
a 2ª corrente: SIM.
Para
a 3ª corrente: ainda não, considerando que houve
sentença julgando procedente o pedido do autor, no entanto, foi interposto
recurso contra essa decisão, tendo ele sido recebido no efeito suspensivo.
A
apelação é improvida, sendo mantida, portanto, a sentença. O réu não se
conforma e interpõe recurso especial e recurso extraordinário, que são
recebidos apenas no efeito devolutivo. Será possível a execução provisória das
astreintes?
Para
a 1ª corrente: NÃO.
Para
a 2ª corrente: SIM.
Para
a 3ª corrente: SIM, considerando que houve
sentença julgando procedente o pedido do autor, confirmada por um acórdão e os
recursos interpostos não gozam de efeito suspensivo.
Resumindo:
É POSSÍVEL A
EXECUÇÃO PROVISÓRIA DAS ASTREINTES FIXADAS EM TUTELA ANTECIPADA?
|
||
1ª corrente: NÃO
Não é possível a execução
provisória das astreintes.
É necessário o trânsito em julgado
para que elas sejam exigidas.
|
2ª corrente: SIM
É possível a execução provisória
das astreintes sem quaisquer condicionamentos, ou seja, com base até mesmo em
uma mera decisão interlocutória ainda não confirmada.
|
3ª corrente: SIM
É possível a execução provisória
das astreintes desde que:
a) o pedido a que se vincula a
astreinte seja julgado procedente na sentença ou acórdão;
b) o recurso interposto contra essa
sentença ou acórdão não tenha sido recebido no efeito suspensivo.
|
Principais argumentos:
A multa só
deve ser paga à parte que sagrar-se definitivamente vencedora na demanda.
Logo, deve-se aguardar o final do processo.
A mera ameaça de aplicação da
multa, ao final, já é suficiente para provocar uma pressão psicológica no
devedor.
|
Principais argumentos:
Para que a multa possa cumprir sua
função coercitiva é necessário que ela possa ser exigida imediatamente.
Condicionar a exigência da multa ao
trânsito em julgado iria enfraquecer a pressão psicológica que as astreintes devem causar. |
Principais argumentos:
Os
dispositivos
legais que exigem o trânsito em julgado referem-se apenas aos processos coletivos. Desse modo, não há determinação legal para que se aguarde o fim do processo para se cobrar as astreintes.
Por outro lado, não é admissível a
execução da multa com base em mera decisão interlocutória (que tem cognição sumária e precária), sendo necessário que a liminar que as fixou seja confirmada em sentença ou acórdão para garantir maior segurança. |
Na jurisprudência:
“Nos termos da reiterada
jurisprudência do STJ, a multa diária somente é exigível com o trânsito em julgado da decisão que, confirmando a tutela antecipada no âmbito da qual foi aplicada, julgar procedente a demanda.”
(AgRg no AREsp 50.196/SP, 1ª T, DJe
27/08/2012)
|
Na jurisprudência:
“É
desnecessário o trânsito em julgado da sentença para que seja executada a
multa por descumprimento fixada em antecipação de tutela” (AgRg no AREsp
50.816/RJ, 2ª T., DJe 22/08/2012)
(…) É possível a execução da
decisão interlocutória que determinou o pagamento de astreintes no
caso de descumprimento de obrigação (…) (AgRg no REsp 1299849/MG, 3ª T, DJe
07/05/2012)
|
Na jurisprudência:
“As astreintes
serão exigíveis e, portanto, passíveis de execução provisória, quando a
liminar que as fixou for confirmada em sentença ou acórdão de natureza
definitiva (art. 269 do CPC), desde que o respectivo recurso deduzido contra a decisão não seja recebido no efeito suspensivo. A pena incidirá, não obstante, desde a data da fixação em decisão interlocutória.”
(REsp 1347726/RS, 4ª T, DJe
04/02/2013) |
Na doutrina:
Cândido Rangel Dinamarco
Luiz Guilherme Marinoni
|
Na doutrina:
Cássio Scarpinella Bueno
Fredie Didier Jr.
|
Na doutrina:
Não encontrada referência.
|
Para fins de concurso, essa pergunta
não poderia ser cobrada em uma primeira fase por ainda representar divergência
jurisprudencial. Para provas discursivas, é importante que você conheça a
existência das três correntes. Particularmente, entendo como mais razoável a 3ª
posição. De qualquer forma, havendo mudança no panorama acima, eu aviso a
vocês.
Previsões em leis especiais
Atenção. A explicação dada acima
refere-se ao regramento do processo individual regulado pelo CPC. Existem,
contudo, previsões em leis especiais estabelecendo que as astreintes
somente podem ser exigidas após o trânsito em julgado. Confira:
Lei n.°
7.347/85 (Lei da ACP):
Art. 12. Poderá o juiz conceder
mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo.
(…)
§
2º A multa cominada liminarmente só será exigível do réu após o trânsito em
julgado da decisão favorável ao autor, mas será devida desde o dia em que se
houver configurado o descumprimento.
Esse dispositivo é aplicado pelo STJ:
(…) A exigibilidade da multa cominada
liminarmente em ação civil pública fica condicionada ao trânsito em julgado da
decisão final favorável ao autor (art. 12, § 2º, da Lei 7.347/85) (…) (EDcl no
AgRg no REsp 756.224/MG, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma,
julgado em 27/09/2011, DJe 04/10/2011)
Lei n.° 8.069/90 (ECA):
Art. 213. Na ação que tenha por
objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a
tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o
resultado prático equivalente ao do adimplemento.
§ 1º Sendo relevante o fundamento da
demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é
lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia,
citando o réu.
§
2º O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa
diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou
compatível com a obrigação, fixando prazo razoável para o cumprimento do
preceito.
§
3º A multa só será exigível do réu após o trânsito em julgado da sentença
favorável ao autor, mas será devida desde o dia em que se houver configurado o
descumprimento.
O
CESPE, em um concurso realizado em 2012, exigiu essa previsão específica. Veja:
(Juiz
de Direito/AC – 2012) A respeito da proteção judicial dos interesses
individuais, difusos e coletivos das crianças e dos adolescentes, assinale a
opção correta conforme disposição do ECA e entendimento do STJ:
A)
Ao deferir liminar ou proferir sentença, o juiz poderá impor, independentemente
de pedido do autor, multa diária ao réu, suficiente ou compatível com a
obrigação. Nesse caso, o pagamento da multa será exigível somente após o
trânsito em julgado da sentença favorável ao autor, mas o valor será devido
desde o dia em que tiver sido configurado o descumprimento da obrigação.
(alternativa considerada CORRETA)
Lei
n.°
10.741/2003 (Estatuto do Idoso):
Art.
83. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou
não-fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará
providências que assegurem o resultado prático equivalente ao adimplemento.
§
1º Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de
ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente
ou após justificação prévia, na forma do art. 273 do Código de Processo Civil.
§
2º O juiz poderá, na hipótese do § 1º ou na sentença, impor multa diária ao
réu, independentemente do pedido do autor, se for suficiente ou compatível com
a obrigação, fixando prazo razoável para o cumprimento do preceito.
§
3º A multa só será exigível do réu após o trânsito em julgado da sentença
favorável ao autor, mas será devida desde o dia em que se houver configurado.
Excelente apanhado sobre o tema!! Parabéns pela iniciativa!!
ResponderExcluirLucas Prazeres.
Advogado.