quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

LEI 12.846/2013 – RESPONSABILIZAÇÃO DE PESSOAS JURÍDICAS POR ATOS CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

LEI 12.846/2013 – RESPONSABILIZAÇÃO DE PESSOAS JURÍDICAS POR ATOS CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
 
A Lei 12.846/2013 trata de responsabilidade civil e administrativa de pessoas jurídicas por atos contra a administração pública. Os arts. 1º e 2º da lei estabelecem o seu escopo e a sua abrangência. Segundo esses dispositivos, as pessoas jurídicas serão responsabilizadas objetivamente, nos âmbitos administrativo e civil, pelos atos lesivos na própria lei descritos, praticados em seu interesse ou benefício, exclusivo ou não.
 
Os atos lesivos aqui referidos são praticados contra a administração pública, nacional ou estrangeira, por sociedades simples ou empresárias, personificadas ou não, fundações, associações de entidades ou pessoas, ou sociedades estrangeiras, que tenham sede, filial ou representação no território brasileiro, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente. Estão incluídos no campo de incidência da Lei 12.846/2013 os atos lesivos praticados por pessoa jurídica brasileira contra a administração pública estrangeira, ainda que cometidos no exterior(art. 28).
 
É importante destacar que a Lei 12.846/2013 opera nas searas administrativa e cível, mas não na esfera penal. Ademais, a aplicação das sanções nela previstas não afeta os processos de responsabilização e aplicação de penalidades decorrentes de atos de improbidade administrativa enquadrados na Lei 8.429/1992, bem como de atos ilícitos alcançados pela Lei 8.666/1993 ou por outros diplomas legais concernentes a licitações e contratos da administração pública (inclusive a Lei 12.462/2011, que disciplina o Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC).
 
A responsabilização da pessoa jurídica com base na Lei 12.846/2013 não exclui nem pressupõe a responsabilidade individual de seus dirigentes ou administradores – que respondem na medida da sua culpabilidade – ou de qualquer pessoa natural que seja autora, coautora ou partícipe do ato ilícito.
 
Deve-se frisar que, enquanto é objetiva a responsabilidade da pessoa jurídica, a das pessoas naturais é subjetiva, significa dizer, depende de demonstração de que elas agiram com dolo ou culpa. Sem prejuízo dessa observação, a Lei 12.846/2013 estabelece a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica, sempre que utilizada com abuso do direito para facilitar, encobrir ou dissimular a prática dos atos ilícitos nela enumerados ou para provocar confusão patrimonial, sendo estendidos aos administradores e sócios com poderes de administração da pessoa jurídica todos os efeitos das sanções a ela aplicadas – observados, invariavelmente, o contraditório e a ampla defesa (art. 14).
 
Os atos lesivos à administração pública, nacional ou estrangeira, que acarretam a incidência da Lei 12.846/2013 são todos aqueles que atentem contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra princípios da administração pública ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, assim definidos, literalmente, em seu art. 5º:
 
I – prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público, ou a terceira pessoa a ele relacionada;
II – comprovadamente, financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo subvencionar a prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei;
III – comprovadamente, utilizar-se de interposta pessoa física ou jurídica para ocultar ou dissimular seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados;
IV – no tocante a licitações e contratos:
a) frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo de procedimento licitatório público;
b) impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório público;
c) afastar ou procurar afastar licitante, por meio de fraude ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo;
d) fraudar licitação pública ou contrato dela decorrente;
e) criar, de modo fraudulento ou irregular, pessoa jurídica para participar de licitação pública ou celebrar contrato administrativo;
f) obter vantagem ou benefício indevido, de modo fraudulento, de modificações ou prorrogações de contratos celebrados com a administração pública, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação pública ou nos respectivos instrumentos contratuais; ou
g) manipular ou fraudar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos celebrados com a administração pública;
V – dificultar atividade de investigação ou fiscalização de órgãos, entidades ou agentes públicos, ou intervir em sua atuação, inclusive no âmbito das agências reguladoras e dos órgãos de fiscalização do sistema financeiro nacional.
 
A responsabilização da pessoa jurídica com base na Lei 12.846/2013 acarretará, na esfera administrativa, a aplicação das seguintes sanções (art. 6º):
 
I – multa, no valor de 0,1% (um décimo por cento) a 20% (vinte por cento) do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo, excluídos os tributos, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação; e
II – publicação extraordinária da decisão condenatória.
Caso não seja possível utilizar o critério do valor do faturamento bruto da pessoa jurídica, a multa será de seis mil reais a sessenta milhões de reais.
 
A publicação extraordinária da decisão condenatória ocorrerá na forma de extrato de sentença, a expensas da pessoa jurídica, em meios de comunicação de grande circulação na área da prática da infração e de atuação da pessoa jurídica ou, na sua falta, em publicação de circulação nacional, bem como por meio de afixação de edital, pelo prazo mínimo de trinta dias, no próprio estabelecimento ou no local de exercício da atividade, de modo visível ao público, e no sítio eletrônico na rede mundial de computadores (internet).
 
As sanções serão aplicadas com a devida fundamentação, isolada ou cumulativamente, de acordo com as peculiaridades do caso concreto e com a gravidade e natureza dos atos lesivos, devendo ser levados em consideração a consumação ou não da infração, a vantagem auferida ou pretendida, a situação econômica do infrator, o valor dos contratos mantidos pela pessoa jurídica com o órgão ou entidade pública lesados, entre outros aspectos arrolados no art. 7º da lei.
 
A aplicação das sanções administrativas não exclui, em hipótese alguma, a obrigação da reparação integral do danocausado (art. 6º, § 3º).
 
A instauração e o julgamento do processo administrativo para apuração da responsabilidade de pessoa jurídica são de competência – que poderá ser delegada, vedada, porém, a subdelegação – da autoridade máxima de cada órgão ou entidade dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, que agirá de ofício ou mediante provocação, sempre observados, evidentemente, o contraditório e a ampla defesa.
 
No âmbito do Poder Executivo federal, a Controladoria-Geral da União (CGU) terá competência concorrente para instaurar processos administrativos de responsabilização de pessoas jurídicas ou para avocar os processos instaurados, a fim de examinar a sua regularidade ou de corrigir o seu andamento.
 
No caso dos atos ilícitos praticados contra a administração pública estrangeira, a apuração, o processo e o julgamento fundados na Lei 12.846/2013 competem à CGU.
 
O processo administrativo para apuração da responsabilidade de pessoa jurídica será conduzido por uma comissãocomposta de dois ou mais servidores estáveis, que deverá concluí-lo no prazo de cento e oitenta dias, contados da data da publicação do ato que a instituir, apresentando, ao final, relatórios sobre os fatos apurados e eventual responsabilidade da pessoa jurídica e sugerindo, motivadamente, as sanções a serem aplicadas. Esse prazo de cento e oitenta dias poderá ser prorrogado, mediante ato fundamentado da autoridade instauradora.
 
O processo administrativo, com o relatório da comissão, será remetido à autoridade instauradora para julgamento.
 
A comissão poderá, cautelarmente, propor à autoridade instauradora que suspenda os efeitos do ato ou processo objeto da investigação.
 
Após a conclusão do procedimento administrativo, a comissão daráconhecimento da existência dele ao Ministério Público, para apuração de eventuais delitos (art. 15).
 
A responsabilidade da pessoa jurídica na esfera administrativanão afasta a possibilidade de sua responsabilização na esfera judicial (art. 18).
 
Quanto à responsabilização judicial, estatui o art. 19 da Lei 12.846/2013 que a prática dos atos lesivos nela descritos autoriza a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios, por meio das respectivas Advocacias Públicas ou órgãos de representação judicial, ou equivalentes, e o Ministério Público, a ajuizar ação com vistas à aplicação às pessoas jurídicas infratoras das seguintes sanções, que poderão ser impostas de forma isolada ou cumulativa:
 
I – perdimento dos bens, direitos ou valores que representem vantagem ou proveito direta ou indiretamente obtidos da infração, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé;
II – suspensão ou interdição parcial de suas atividades;
III – dissolução compulsória da pessoa jurídica;
IV – proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público, pelo prazo mínimo de 1 (um) e máximo de 5 (cinco) anos.
 
A dissolução compulsória da pessoa jurídica será determinada quando comprovado: (a) ter sido a personalidade jurídica utilizada de forma habitual para facilitar ou promover a prática de atos ilícitos; ou (b) ter sido constituída para ocultar ou dissimular interesses ilícitos ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados.
 
O Ministério Público ou a Advocacia Pública ou órgão de representação judicial, ou equivalente, do ente público poderá requerer a indisponibilidade de bens, direitos ou valores necessários à garantia do pagamento da multa ou da reparação integral do dano causado, ressalvado o direito do terceiro de boa-fé.
 
Sem prejuízo da aplicação dessas sanções que a Lei 12.846/2013 comina para a responsabilização judicial, poderão também, nas ações ajuizadas pelo Ministério Público, ser aplicadas aquelas penalidades previstas para a responsabilização administrativa – multa e publicação extraordinária da decisão condenatória (art. 6º) –, desde que constatada a omissão das autoridades competentes para promover essa responsabilização (art. 20).
 
Nas ações de responsabilização judicial, será adotado o rito previsto na lei da ação civil pública (Lei 7.347/1985).
 
A condenação torna certa a obrigação de reparar integralmente o dano causado pelo ilícito, cujo valor será apurado em posterior liquidação, se não constar expressamente da sentença (art. 21, parágrafo único).
 
As multas e os bens, direitos ou valores objeto de perdimento aplicados com fundamento na Lei 12.846/2013 serão destinados preferencialmente aos órgãos e entidades públicos lesados (art. 24).
 
A prescrição das infrações previstas na Lei 12.846/2013 ocorre em cinco anos, contados da data da ciência da infração ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado. Na esfera administrativa ou judicial, a prescrição será interrompida com a instauração de processo que tenha por objeto a apuração da infração (art. 25).
 
A autoridade competente que, tendo conhecimento das infrações previstas na Lei 12.846/2013, não adotar providências para a apuração dos fatos será responsabilizada penal, civil e administrativamente nos termos da legislação específica aplicável (art. 27).
 
A Lei 12.846/2013, em seu art. 16, faculta à autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública celebrar o assim chamado “acordo de leniência” com as pessoas jurídicas que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo concernentes aos atos pelos quais estejam sendo responsabilizadas, desde que dessa colaboração resulte: (a) a identificação dos demais envolvidos na infração, quando couber; e (b) a obtenção célere de informações e documentos que comprovem o ilícito sob apuração.
 
É fácil perceber que o “acordo de leniência” é semelhante à figura que, no direito penal, consagrou-se sob a denominação de “delação premiada” – especialmente àquela regrada na Lei 9.807/1999. Aliás, convém abrir um parêntese para registrar que a Lei 12.529/2011, relativa ao “Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência”, também contém normas, em seus arts. 86 e 87, acerca de um “acordo de leniência” que pode ser celebrado administrativamente com pessoas físicas e jurídicas autoras de infração à ordem econômica, nos mesmos moldes deste que ora estamos estudando.
 
O acordo de leniência regulado na Lei 12.846/2013 somente poderá ser celebrado se preenchidos,cumulativamente, os seguintes requisitos (art. 16, § 1º):
I – a pessoa jurídica seja a primeira a se manifestar sobre seu interesse em cooperar para a apuração do ato ilícito;
II – a pessoa jurídica cesse completamente seu envolvimento na infração investigada a partir da data de propositura do acordo;
III – a pessoa jurídica admita sua participação no ilícito e coopere plena e permanentemente com as investigações e o processo administrativo, comparecendo, sob suas expensas, sempre que solicitada, a todos os atos processuais, até seu encerramento.
 
A contrapartida da celebração desse acordo de leniência para a pessoa jurídica está prevista no § 2º do art. 16, a saber:
a) redução em até dois terços do valor da multa aplicável;
b) exclusão da penalidade de publicação extraordinária da decisão condenatória, prevista no art. 6º, II; e
c) exclusão da penalidade de proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público, pelo prazo mínimo de um e máximo de cinco anos, prevista no art. 19, IV.
O acordo de leniência não exime a pessoa jurídica da obrigação de reparar integralmente o dano causado e a sua celebração interrompe o prazo prescricional dos atos ilícitos de que trata a Lei 12.846/2013.
 
A CGU é o órgão competente para celebrar os acordos de leniência no âmbito do Poder Executivo federal, bem como no caso de atos lesivos praticados contra a administração pública estrangeira (art. 16, § 10).
 
É interessante pontuar que a Lei 12.846/2013 estendeu a possibilidade de celebração de acordo de leniência a outras infrações além daquelas que ela própria tipifica. De fato, no seu art. 17, ela faculta à administração pública celebrar acordo de leniência com a pessoa jurídica responsável pela prática de ilícitos previstos na Lei 8.666/1993, com vistas à isenção ou à atenuação das sanções administrativas estabelecidas nos arts. 86 a 88 desse mesmo diploma legal. Convém observar, todavia, que a Lei 12.846/2013 nada esclarece a respeito das atenuações que poderiam decorrer desse acordo de leniência, nem informa se a isenção de sanções pode ser concedida a todas as penalidades enumeradas nos arts. 86 a 88 da Lei 8.666/1993, ou somente a algumas delas.
 
Merece referência o fato de a Lei 12.846/2013 haver criado, no âmbito do Poder Executivo federal, o Cadastro Nacional de Empresas Punidas (CNEP), com o fim de reunir e dar publicidade às sanções aplicadas, com base nela, pelos órgãos ou entidades dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário de todas as esferas de governo (art. 22).
 
Também deverão ser registradas no CNEP as informações acerca dos acordos de leniência celebrados, salvo se esse procedimento vier a causar prejuízo às respectivas investigações e aos processos administrativos, incluindo-se ainda no referido cadastro, caso a pessoa jurídica não cumpra os termos do acordo de leniência, referência a esse descumprimento (art. 22, §§ 3º e 4º).
 
Os registros das sanções e acordos de leniência serão excluídos do CNEP depois de decorrido o prazo previamente estabelecido no ato sancionador ou do cumprimento integral do acordo de leniência e da reparação do eventual dano causado, mediante solicitação do órgão ou entidade sancionadora (art. 22, § 5º).
 
Por fim, deve-se ressaltar que as disposições da Lei 12.846/2013 não excluem as competências do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), do Ministério da Justiça e do Ministério da Fazenda para processar e julgar fato que constitua infração à ordem econômica (art. 29).

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