segunda-feira, 7 de abril de 2014

Cota em serviço público federal não é consenso

 

Projeto que reserva 20% das vagas será agora analisado pelo Senado, mas cria polêmica no funcionalismo público brasileiro
Aprovado com ampla maioria na Câmara dos Deputados, o projeto de lei 6738/13, que reserva 20% das vagas de concursos federais a negros, segue para a análise do Senado. A proposta, que prevê que 20% das vagas em concursos públicos da administração direta e indireta da União sejam reservadas, teve apoio de 314 deputados e o voto contrário de 36 parlamentares.

A reserva de vagas no serviço público não é novidade: o Paraná é um dos quatro estados que separam um porcentual de vagas para afrodescendentes nos concursos estaduais. Por aqui, a lei prevê 10%. Das 46 cidades que têm legislação específica, nove são paranaenses, com reservas que variam de 5% a 10% das vagas.

A Gazeta do Povo conversou com especialistas, representantes do movimento negro e parlamentares paranaenses que votaram contra e a favor da proposta para conhecer os argumentos.A favor

Reserva para negros complementa ações, dizem defensores

Prevista no Estatuto da Igualdade Racial, a reserva de vagas para negros é, na opinião de seus defensores, uma ferramenta que complementa outras ações afirmativas já previstas pelo Estado brasileiro. Por essa razão, dizem eles, a cota nas universidades federais – já legitimadas pelo Supremo Tribunal Federal – sozinhas não surtiriam efeito para corrigir distorções na sociedade brasileira e no serviço público federal.

Uma pesquisa do Ipea mostra que enquanto 52% da população economicamente ativa no Brasil é negra, apenas 40% dos servidores públicos federais são negros – geralmente em vagas menos valorizadas. “Essa lei vem ajudar a fazer uma correção histórica, uma regra amparada pela ONU e pelo STF. A lei tem tempo específico, para dar oportunidades em médio prazo”, observa Alexandre Braga, diretor da Unegro, entidade que representa o movimento negro.

"Abolimos a escravidão formalmente, mas a discriminação ainda existe. Se metade da população é negra, mas apenas 9% dos parlamentares no Congresso são negros, não está havendo igualdade, algo está errado”, analisa.

Mais do que correção histórica, analisa Osmar Serraglio (PMDB), que votou a favor da proposta, trata-se de uma constatação prática. “É uma questão cultural: o negro tem participação muito restrita nas esferas de comando. Por isso, precisa-se de uma política mais impositiva. Pelo princípio da igualdade, é preciso tratar os desiguais de forma desigual, igualando aqueles que são diferenciados”, analisa.

O parlamentar, porém, não concorda com a obrigação de cotas para cargos de comissão. “Esses cargos são de confiança. Estabelecer um porcentual para algumas pessoas é contraditório”, ressalva.

Contra

Princípio de igualdade não é respeitado, afirmam opositores

Um dos principais argumentos de quem é contra a proposta das cotas é de que o projeto de lei esbarraria no princípio da igualdade previsto na Constituição Federal, já que, somado a outras ações benéficas, haveria uma reserva de mercado a uma população específica. O princípio da isonomia foi um dos pontos que ajudaram a formar a opinião do deputado federal Edmar Arruda (PSC-PR), que votou contra a proposição na Câmara dos Deputados.

O parlamentar sustenta, ao defender seu voto, que é contra qualquer projeto que estabeleça diferenças devido à cor da pele. “Isso, por si, é discriminação. Além disso, acredito que a aprovação dessa lei também vai contra a isonomia, que garante aos cidadãos que todos tenham os mesmos direitos”, analisa.

A meritocracia é defendida nesse caso, para dar mais qualidade ao serviço público. “Dar mais eficiência à máquina pública significa selecionar os mais capacitados. Isso só acontece com educação. Não deveria haver cotas, mas sim uma maior preocupação com a educação, que atinge a todos, sem exceção”, observa o advogado Ricardo Becker, sócio da BFPK Advogados Associados.

Ele avalia ainda que, ao retirar as cotas para os cargos de comissão, os parlamentares estão pensando na questão sob o viés político. “Com isso, teriam uma preocupação a mais para escolher os seus próprios comissionados”, avalia. O conceito para definir a raça, no entanto, é o ponto mais polêmico, diz ele. “A carga de subjetividade é grande. É a cor da pele que dita ou a genética? Cria-se um problema ao aprovar a lei”, pondera Becker.

Tire suas dúvidas sobre o projeto de lei 6738/13, aprovado na Câmara e que segue para análise no Senado.

Em quais instituições a cota passa a valer?
A medida abrange os cargos efetivos e empregos públicos, inclusive em autarquias, fundações públicas, empresas públicas e sociedades de economia mista controladas pela União, como, por exemplo, a Petrobras, a Caixa Econômica Federal, os Correios e o Banco do Brasil.

Por que é definido um prazo de dez anos para a validade das cotas?
Porque o benefício é uma compensação temporária para dar mais condições de igualdade às gerações futuras.

Editais já publicados serão abrangidos pela nova regra?
Os editais já publicados quando – e se – a lei entrar em vigor não serão modificados.

Como será o cálculo para a reserva de vagas para negros?
reserva deverá ser informada no edital e ocorrerá sempre que o número total de vagas for igual ou superior a três, ajustando-se a fração para o número inteiro seguinte (maior que 0,5) ou anterior (até 0,5).

Negros só poderão concorrer em vagas reservadas?
Não. Só não é possível concorrer às vagas destinadas para pessoas com deficiência.

Se não houver concorrentes para a vaga destinada a negros, o que acontece?
As remanescentes serão revertidas para a ampla concorrência.

Como vai funcionar para atestar que alguém é negro?
Poderão concorrer aqueles que se autodeclararem pretos ou pardos no ato da inscrição no concurso público.

Quais são os critérios usados pelo IBGE para definir cor ou raça?
Pelo que consta no quadro de conceitos do IBGE, a cor ou raça é uma característica declarada pelas pessoas de acordo com as seguintes opções: branca, preta, amarela, parda ou indígena.

Há ações semelhantes em âmbito municipal no país?
Das 46 cidades que têm legislação específica, nove são paranaenses: Araucária, Bituruna, Colombo, Cornélio Procópio, Guarapirama, Ibiporã, Nova Fátima, Ponta Grossa e União da Vitória. Nesses municípios, a reserva varia de 5% a 10% das vagas.
 
Publicado em 06/04/2014 | João Pedro Schonarth/Jornal Gazeta do Povo

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