segunda-feira, 20 de outubro de 2014

$$$$$ FELICIDADE $$$$$

Vocês já repararam que estamos nos comunicando cada vez mais, interagindo com maior intensidade a cada dia que passa, mas nos entendendo cada vez menos? A tecnologia avançou e permite que estejamos em contato com um número cada vez maior de pessoas e, ao mesmo tempo, possibilita mais interação entre nós. É claro que isso (aparentemente) nos beneficia, enquanto sociedade, mas, será que para o nosso indivíduo isso tem sido bom?

Há uma aparente contradição melancólica nos anos 2000: a presença virtual massificada concretizou a ausência real de nós mesmos, não só do ponto de vista físico, como, creio, no campo psicossocial. Como isso vem se processando, no entanto, é um grande mistério. Mas, sem pretensão, tenho uma hipótese.

A sociedade de consumo massificou não só a produção de bens, mas está, também, massificando as relações humanas: nessa perspectiva, as pessoas passam a ser, digamos, um mal necessário nas relações sociais, sendo, portanto, assim como os bens e serviços, consumidos. Estamos, aparentemente, nos consumindo. As pessoas não se relacionam mais: se consomem.

A interatividade, a comunicação instantânea, a disponibilidade virtual, dentro da sociedade de consumo, permitiu que a força motriz do sistema capitalista pudesse colocar a sua mais perfeita máquina em funcionamento: o ego humano. Embora o mainstream teime em dizer que o que move o sistema capitalista é a possibilidade de sucesso social e financeiro (a visão do homus economicus), na verdade, creio, que é justamente o oposto. O ego humano, através da comparação, precisa se reafirmar social e psicologicamente como indivíduo dentro da sociedade e o faz, tentando ser melhor e mais destacado do que os demais.

Com a interatividade em abundância, foi possível, agora, olhar com mais frequência o jardim do vizinho para concluir, como sempre, que ele é mais verde que o seu. É possível, em um piscar de olhos, verificar se a sua amiga possui mais curtidas do que você. Diminuíram-se os custos da fofoca e da comparação: basta um clique para saber qual a sua posição relativa dentro os demais membros da sociedade. E isso não é definitivamente bom.

O homem ego não vive em paz. E não é livre. Sempre haverá uma nova conquista a ser exibida. Uma nova vitória ou um embate a ser travado. A comparação incessante tende ao infinitum. Só que nós não somos infinitos e, com isso, somos consumidos nas relações. Não temos tempo para uma pessoa essencial nessa trama toda: nós mesmos.

Eu sou uma pessoa que costumo dormir tarde. Uso desculpas profissionais extras para manter me acordado um pouco além do que os outros. Mas, isso nada mais é do que uma tática para que eu possa ter um tempo comigo mesmo. Tentar entender quem é essa pessoa que habita em mim, depurar os dissabores, refletir sobre os sucessos, conversar em paz com o meu interior. Sem precisar de intermediários. É o que mantém um certo equilíbrio entre o interior e o exterior. Mas, qual foi a última vez que você teve um tempo com você mesmo? Quando foi que você resolveu parar para cultivar aquela amizade com o seu eu interior. Algumas pessoas não gostam de ficar sozinhas consigo mesmas. Não permitem a homeostase das emoções e sentimentos. Então precisam compensar isso com elementos externos a elas próprias, sejam isso, coisas, dinheiro ou pessoas. Já viram isso em algum lugar?

Muitas pessoas perderam a capacidade de dedicar um tempo a si mesmas. Não desfrutam com paciência uma boa leitura. Não cuidam de si com amor. Não se dedicam a ouvir o próximo e a ajudar quem precisa. Ao mesmo tempo, querem que os outros lhes deem o que elas mesmas não lhes dão: tempo, atenção, compreensão. Como não obtém, socorrem-se nas bengalas do mundo moderno capitalista: dinheiro para ter segurança, bens materiais para serem exibidos, companhias e amizades superficiais, amores sem futuros, filhos sem amigos, pais sem herdeiros. E a roda consome, cada um, devagar, como um rolo compressor ? em câmera lenta. Até que não haja mais nada.

Um belo filme dos irmãos Wachowski (Cloud Atlas, A Viagem, na versão brasileira) retrata bem essa situação inusitada ao abordar a questão da liberdade: 6 histórias aparentemente desconectadas no tempo e no espaço (cada uma acontece em um lugar e momento diferente) tem um elo em comum. Os personagens principais são sempre privados da sua liberdade. Há o caso do velho que é compulsoriamente internado em uma clínica para loucos e não consegue explicar que é são. Há o homossexual que é veladamente chantageado por seu patrão para que não revele seu segredo. Há o escravo que é carregado em um navio negreiro sem que consiga ser ouvido acerca de crimes cometidos a bordo por um médico. Enfim, a liberdade dos personagens é cerceada e a angústia toma conta do telespectador. Será que a sua liberdade também não está sendo cerceada sem que você se dê conta?
É claro que ninguém pode fazer tudo o que deseja, mas isso não significa, por outro lado, que você tenha que seguir a marcha insana, aprisionadora, que a sociedade lhe impõe para que você tenha direito a condecorações a serem expostas, se isso não lhe trouxer um significado próprio para você. A liberdade não é um direito, como dizem as leis e as constituições mundo afora: é, acima de tudo, uma decisão individual. A maioria preferirá se manter aprisionada pela comodidade, pelo medo ou por se render às regras do jogo. Você, no entanto, pode fazer da sua vida, não uma prisão, mas um momento de satisfação interior fora das conquistas que o rolo compressor insiste em exigir de ti.

A felicidade não se compra.

Esse é o nome de outro filme, muito interessante, gravado na década de 1950. Nele, um homem do setor financeiro é obrigado pela família a seguir os negócios do pai, um banqueiro de uma pequena cidade do interior dos Estados Unidos. Só que ele queria a liberdade, queria conquistar o mundo. Mas não podia. E foi o irmão mais novo, a realizar esse sonho. Voltou condecorado como herói de guerra e conheceu meio mundo. Frustrado, o personagem principal acaba entrando em bancarrota e o banco ameaça ser fechado. Sem dinheiro, sem sonhos, ele decide se matar, mas um anjo aparece e faz um acordo com ele: que ele teria o direito de ver o mundo como seria sem ele, por um dia. Acordo firmado, o personagem passa a ver o mundo como se ele nunca tivesse existido. O amigo e vizinho de sucesso nunca teria tido dinheiro para comprar a casa e é encontrado bêbado em um bar. A esposa se casa com outra pessoa e vive uma vida infeliz com um homem violento. Diversas pessoas que ele ajudava perdem suas casas enquanto o banqueiro rival aumenta as taxas de juros, em razão da falta de concorrência no mercado. O irmão, que havia sido condecorado como herói de guerra, não havia sido salvo por ele quando se afogou em um rio quando criança. Nunca se tornou herói, portanto. Com isso a mãe dele entrou em depressão e se separou do pai. Que morreu em um outro acidente. Desolado e não tendo percebido o quanto a sua vida era importante, não só para ele, mas para uma quantidade razoável de pessoas, o personagem principal suplica ao anjo para ter sua vida de volta. Chora. Pede perdão. Lamenta por ter reclamado tanto. Por ter amaldiçoado tudo o que tinha. Em prantos, pede que reconsidere o pedido dele para que ele tenha a sua vida de volta. E é atendido. Ainda em bancarrota, chega em casa sorrindo ao ver que a mulher e os filhos estão lá lhe esperando. Pede perdão à filha que havia agredido no dia anterior. Elogia o menino que criticara na noite anterior por tocar piano. E agradece a esposa pelo companheirismo. Ao fim, os amigos, todos preocupados com a sua situação desesperadora, fazem uma ?vaquinha? para ajudar o banco a não falir, já que ele cobrava juros abaixo do mercado e não tinha fundos para honrar as dívidas contraídas. Ao fundo, o narrador diz: ?quem tem amigos, nunca está sozinho?.

Espero que você não precise de passar por tudo isso para ver o quanto a sua vida é importante para tantas pessoas. Mesmo que você não perceba, você é a pessoa mais importante da sua vida e pode ser muito importante para a vida de várias outras. Alguns podem chamar isso de amor próprio, auto-estima, mas particularmente eu não gosto desses termos. Parecem ?egoístas? demais em um mundo que precisa de mais solidariedade e compreensão. Afinal, de fato, a felicidade não se compra. Se conquista.

Boa sorte na caminhada. Boas reflexões.

Fernando Gama

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